sexta-feira, janeiro 01, 2010

O outro e o eu



Quero ser outro, desalmadamente,
e não o consigo, mesmo que cerre os dentes ou corra...
Sou outro, digo-me, frequentemente,
e o outro resiste-me e grita-me que só posso ser eu!
O outro foge aos meus limites, às minhas pressões e ditames,
encurrala-me e aperta-me quase até que morra
em mim essa ideia disparatada e aberrante de ser ele...
O outro reduz-me ao nada das minhas pretensões
e lembra-me, a cada hora e em todas as ocasiões,
que eu só posso ser eu, mais ninguém, este ou aquele...
O outro adverte-me que desejar ser outro são intenções infames,
adulteradoras do bom nome e da personalidade alheia.
E eu, que quero ser outro, olhando de soslaio essa advertência,
aceito e mastigo essa verdade, nem toda nem meia,
mas, se o eu quer ser outro, é tão só para imitá-lo na sua essência!
Assim, se o outro for modelo de bem e de valor,
também o eu ficará positivamente contagiado.
De dia ou ao luar, como nas questões de amor,
um outro bom modelo implicará um eu bem modelado.
Não há eu sem o outro,
como não pode haver outro sem o eu,
admirável correlação de seres...
Sejam homens ou mulheres,
este, aquele ou aqueloutro,
seu complemento causará inveja no céu!


De ChFer, in A aurora está a chegar, a publicar

1 Comments:

At sexta-feira, 08 janeiro, 2010, Blogger Unknown said...

Nunca estamos satisfeitos com o eu... Sempre achamos o outro melhor.. Mas no fim sempre descobrimos a rede que nos une e nos faz perceber que somos parte que completa o outro e o todo..
Adorei o texto

=)

http://sonhosdolobo.blogspot.com

 

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