quarta-feira, outubro 12, 2005

Balada da chuva-mulher

Talvez esperada, talvez inesperada, talvez desesperada,
chegou a chuva pelos inícios crescidos do Outono…
Não sei, não imagino, não vislumbro sequer,
o ciclo indefinido do clima desta longa temporada,
mas todas as manhãs acordo em sobressalto de um sono
que me faz devanear com as carícias duma chuva-mulher!
Miraculosa chuva que multiplica os frutos e as sementes,
tal como a mulher repovoa a humanidade;
que traz esperança para os famintos e sedentos,
que alegra a passarada em chilreios no quintal…
Miraculosa chuva que traz sustento às carenciadas gentes,
que transforma os pousios em ansiada fertilidade,
provoca a ressurreição dos envergonhados rebentos
e dá vida a todo o ser que povoa o reino animal!
Chuva-mulher, chuva da fertilidade e do alento,
chuva do ouro e da consolação,
inunda a terra dos ricos e dos sem-pão,
para que a chama do sonho se mantenha acesa
em todos, desde os valentes aos sem-defesa,
porque, sem ti, ninguém vive a contento!
Não quero tecer-te elogios
(não vás ficar envergonhada!),
mas apenas dizer-te que te quero, chuva-mulher,
e contar-te a história de tantas ansiedades…
Para mim, és um bem sem ambiguidades,
e não era preciso dizer mais nada,
que determinas a força dos rios
e apagas o fogo ateado por um louco qualquer!
Hoje vou dormir tranquilo
porque choveu! Que chuva redentora!
E vou devanear no meu sono,
sem precisar disto ou daquilo
que embeleza o Outono!
Apenas cantarei a tua balada encantadora!
Lá rá lá lá… Lá rá lá lá…
Em doze de Outubro está chovendo…
Lá rá lá lá… Lá rá lá lá…
Aleluia à Natureza que estava morrendo…

3 Comments:

At domingo, 16 outubro, 2005, Anonymous Anónimo said...

Faz falta aos seres viventes e não viventes. Aos que a conseguem sentir e reproduzir num gesto de fortuna e enredo e, ao mesmo tempo, àqueles que a não sentem, que não tomam do seu toque qualquer surpresa ou saudade... A chuva é o consolo do tempo que vai empoeirando as planícies das baladas sem boleros, os véus das colinas inclinadas, os vales em concha fértil ou os baldios estéreis e rudes, é consolo das fragas, dos piques de falésias roucas pelo eco dos outros. Chuva é tacto, dedos meticulosos que acarinham toda a existência: a mais estimada ou mais hostil. E, em cada toque, cada chover, o universo dos seres viventes e não viventes se funde na compreensão de um código único que é o tinir da gota contra a superfície: molhando-se...

Reparei na canção que trauteou e é engraçado como cada um ouve a chuva à sua maneira, mesmo tocando-nos a chuva da mesmíssima maneira e tinir…
A sua chuva-mulher, para mim é chuva-sentir porque ela é, ao mesmo tempo, o olhar que não tenho, o tacto que não sinto, o cheiro e gosto que não provo, o som que não oiço: porque sou de pedra e nada sinto, excepto quando chove…

Gárgula (molhada)

 
At domingo, 16 outubro, 2005, Blogger ChFer said...

Para a Cara Gárgula "molhada":

Fico deslumbrado com as formas de expressão, precisas e em vernáculo que se pode ler (hoje coisa rara!), que utiliza para comentar o fenómeno da chuva. Se tivesse autoridade para o fazer, dar-lhe-ia 20 valores!
Mas reparei numa coisa: a sensibilidade apuradíssima que a Gárgula manifesta, apesar de se autocaracterizar como: "sou de pedra e nada sinto" (ressalvando "excepto quando chove"). Eu diria que quem escreve palavras desta feição e beleza nunca, em momento algum, poderá deixar de ser sensível, sensibilidade apoiada, abertamente, na racionalidade que tão subtilemte demonstra.
Um abraço e obrigado pela visita.

 
At sábado, 12 agosto, 2006, Anonymous Anónimo said...

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