sábado, dezembro 08, 2007

IMPROVISO




Não sei como começar. Isto já é um começo, mas sem intencionalidade manifesta. O que eu quero dizer é muito distinto deste não dito, que me incomoda, me faz retorcer o estômago, me provoca quase a fuga de mim.
O que é então o que eu quero dizer? Simplesmente que sou o que sou, limitado pelo contexto e pela indecisa vontade de afirmação ou, talvez, pela indiferença da negação.
O que vejo à minha volta? Indicadores de algo que se chama bem? Evidências de algo que não existe mas que rotulamos de mal? Não sei o que vejo, interpretando o ver como um acto não fisiológico apenas, mas como a perscrutação da onticidade. Na verdade, movo-me entre um olhar e um ver, como se afundasse a âncora naquilo que os olhos orgânicos mostram. Mas sei que não é neste olhar que a minha hesitação e tacteamento se detêm…
Sigo, par e passo, o jovem que caminha pela rua. Sem rumo, a não ser o das notas musicais, já gastas e esboroadas, do MP3. Que pensa ele do amanhã, do seu emprego, da sua realização pessoal? Mas, sobretudo, que opina ele sobre a sociedade, desde a criança ao velho? Parece-me um ser volatilizado, que olha mas não vê, preso a miudezas do quotidiano que lhe encobrem a face autêntica da vida, a dimensão profunda da realidade. Talvez se redima pelo inofensivo da sua nesciência, ainda que ninguém lhe perdoe o conformismo com a ignorância…
Noutra rua, deparo-me com o velho, já alquebrado pelas pesadas jornadas em que, frequentemente, falhou, embora com ressaibos auto-impostos de grandes sucessos. Lá vai ele, tentando enxergar com os olhos o que não consegue animicamente ver. É um passado que se sobrepõe ao presente, a anulação de uma juventude néscia pelo irremediável fado de uma decrepitude ignorante.
E a tudo isto vou presenciando da minha janela de fantasmagorias existenciais, coladas à orla de um manto de ideias digitalizadas, que não sei donde provêm, nem qual o seu destino. Mas duma coisa estou seguro, se segurança não for apenas um constructo convencional oco: de velhos e novos, de néscios e sábios, de falsos e verdadeiros, de fracassados e bem sucedidos, de…. e de…, se compõe a estrada da existência, por onde todos viajamos!